domingo, 16 de outubro de 2011

As origens do tarô II

" Os magos e os ocultistas, que acreditavam na sabedoria oculta nas lendas antigas, achavam que o tarô era a chave-mestra para descerrar todos os mistérios. Contudo, o interesse no tarô como sistema mágico e compêndio simbólico só surgiu depois de 1773, quando Anthony Court de Gébelin publicou o penúltimo volume de sua obra Le Monde Primitif Analysée et Comparé avec le Monde Moderne.
Em 1781 Gébelin conheceu o tarô e, examinando as cartas, chegou à conclusão de que eram de origem egípcia. Com cerca de 3757 anos de idade, os arcanos ocultavam antigos conhecimentos e teriam sido levados à Europa pelos próprios egípcios. Ele achava que a palavra tarô provinha da língua egípcia: tar , significando caminho ou estrada, mais ro, rei ou real, daria tarô, ou seja, Caminho Real. Notando também a coincidência numérica entre os 22 arcanos e as 22 letras do alfabeto hebreu, tentou interpretá-los. Depois de estudar bem todos os arcanos, Gébelin declarou publicamente que o tarô era de origem egípcia e que tinha um significado arcano e hieroglífico.
A primeira pessoa a fazer uso dessa descoberta foi um cartomante que vendia amuletos mágicos, praticava a quiromancia, interpretava sonhos e fazia horóscopos. Chamava-se Aliette e dizia ser aluno do conde de Saint-Germain, mago e alquimista que teria mais de dois mil anos, seria o verdadeiro Judeu Errante e descobrira o Elixir da Vida.
Acrescentando idéias próprias aos seus conhecimentos da cabala, Alliette declarou que o tarô fora composto 171 anos após o Dilúvio, que, durante quatro anos, 17 magos haviam colaborado na sua produção e que Hermes Trimegisto concebera o plano do Livro de Thoth, escrito sobre folhas de ouro num templo localizado a três léguas de Mênfis, Egito. O grego Hermes Trimegisto (três vezes grande), considerado equivalente ao deus egípcio Thot, seria um antigo sábio, autor dos textos herméticos, fundador da alquimia e construtor das pirâmides.
Sob o pseudônimo Etteilla (seu nome escrito de trás para frente), Alliette escreveu diversos livros e desenhou baralhos para tirar a sorte, mostrando eventos futuros como viagens, inimigos, processos, etc. Também imprimiu baralhos de tarô, com um significado mais profundo, alegando que, após eliminar os erros cometidos por outros ao longo dos séculos, restaurara o verdadeiro e antigo simbolismo das cartas. Depois, modificou os desenhos dos arcanos e a ordem das cartas.
Por sua vez, Gébelin, a quem o arcano O Mago desagradava (pois representava a vida neste mundo como um perpétuo jogo de azar), sugeriu que o sistema egípcio ter-se-ia iniciado com números menores, terminando com os maiores, e colocava assim O Mago no fim da escala.
Eliphas Levi, pseudônimo de Alphonse Louis Constant, autor de Dogma e Ritual de Alta Magia, interessou-se pelo tarô em 1856. Primeira pessoa a colocar o tarô no esquema da cabala, Levi, rejeitando as idéias de Aliette, associou os arcanos às 22 letras do alfabeto hebreu, os 4 naipes ao tetragrama ( o grande nome de Deus escrito com 4 letras) e as cartas do número 10 ao ás aos 10 aspectos de Deus. Desde então, os ocultistas admitem a interligação do tarô com a cabala.
Embora, desde Levi, os ocultistas nunca mais tenham deixado de admitir a interdependência entre o tarô e a cabala, a verdade é que, além de um não se encaixar perfeitamente bem no outro, não existem provas dessa ligação. De qualquer maneira, deve-se a Levi o fato de o tarô ocupar lugar de relevo no ocultismo.
"O tarô", disse Levi, " é uma obra monumental, extraordinariamente forte. É simples como a arquitetura das pirâmides e resistente como elas- um livro que engloba todas as ciências e que, em virtude de suas infinitas combinações, pode resolver todos os problemas. Sem dúvida é uma das masi admiráveis obras legadas pela Antiguidade: a Chave Universal."
Na História da Magia, Levi diz que a base da ciência hieroglífica consistiria num alfabeto onde as letras representariam idéias, que seriam convertidas em números, que seriam, por sua vez, sinais perfeitos. E acreditava que esse alfabeto-o livro de Thot- estava contido no tarô, de origem egípcia, cujas cartas eram de origem judaica.
Levi achava que os martinistas e os rosa-cruzes haviam compreendido o significado do tarô, e que os humanistas da Renascença, os alquimistas medievais e o autor do Apocalipse (que tem vinte e dois capítulos) eram conhecedores do seus segredos. Para ele, a palavra tarô deriva-se do vaocábulo rota, que em latim singifica rosa ou círculo. Também associou-a a lábaro, um emblema do cristianismo primitivo.
Levi faleceu em 1875 sem escrever sequer um manual do tarô. Entretanto, um de seus alunos, Jean Baptiste Pitois, cujo pseudônimo era Paul Christian, inventou uma astrologia envolvendo o tarô. Pensando que encontrara provas da sua origem num livro de mistérios egípcios atribuídos a Iamblichus, um escritor neoplatonista do século IV, Christian descreve como um iniciado é conduzido por uma galeria com 22 quadros, 11 de cada lado, recebendo, durante a camihada, instruções sobre seu significado.
Apesar de Christian acreditar que os 22 quadros eram os 22 arcanos do tarô, jamais se encontrou no Egito qualquer evidência que corroborasse essa hipótese.
As figuras das cartas de Court de Gébelin foram reporduzidas por Ely Star em 1887, no seu livro Les Mystéres de l'Horoscope. Ely, pseudônimo de Eugene Jacob, era um charlatão com pretensões de médico, casado com uma cartomante que vendia amuletos mágicos.
Dois anos mais tarde, um baralho corrigido, desenhado por Oswald Wirth, foi publicada numa edição limitada de cem cópias. os desenhos de Wirth forma os usados no livro O tarô dos Boêmios, de autoria de Papus, traduzido para o inglêsem 1892 e que ainda se encontra a venda.
Oswald Wirth, nascido na Suíça, era maçom e membro da Sociedade Teosófica, fundada por Blavatsky; usava o magnetismo animal (o hipnotismo) para curar, e trabalhou com o Marquês Stanislau de Guaita, um mago que dizia conservar num armário um espírito que volatizava os venenos e os lançava no espaço junto com seu corpo. Escreveu comentários sobre os arcanos num livro intitulado Os Vendedores de Imagens da Idade Média, cujas ilustrações lembravam o impimatur de Wirth.
Guaita tinha um amigo chamado Gérard Encausse (1865-1916)- o famoso Papus-, médico clarividente, que deu grande impulso ao ocultismo. Interessando-se pela cabala, Papus publicou um livro sobre o assunto e, em 1889, um sobre o tarô, seguido de Le Tarot Divinatoire, em 1909. Em 1912, tornou-se presidente do grupo Martinista, ligando-se também a uma organização alemã que investigava a magia sexual.
Na Inglaterra, o ocultista Alesiter Crowley, que também estudava a magia do sexo, começou a se interessar pelo tarô. O assunto logo cativou uma parte do público inglês e, em 1888, Samuel Lidell Mathers, membro da Sociedade Rosa-cruz, publicou um livro sobre o jogo. Mais ou menos na mesma ocasião, a Ordem Hermética Golden Dawn foi fundada, com a participação de Mathers.
A Golden Dawn deu grande importância ao tarô. O que ela ensinou a seu respeito teve influência sobre praticamente todas as interpretações posteriores. Esses ensinamentos usavam as interpretações de Levi, modificando a associação que ele estabelecera entre os arcanos e o alfabeto hebreu. A ordem instituiu um sistem englobando a cabala, o tarô, a alquimia, a astrologia, a numerologia, as artes divinatórias e o ritual mágico, e começou a funcionar como uma universidade, dando diplomas aos que participavam das aulas e faziam os exames de praxe.
A.E. Waite (1857-1940) associou-se à Golden Dawn em 1891, quando redesenhou o baralhoe escreveu uma introdução ao jogo, além de publicar diversas obras sobre cabala, alquimia, maçonaria e a sociedade rosa-cruz.
Num livro sobre o Santo Graal, Waite sugeriu que os quatro objetos sagrados- a taça, a lança , o prato e a espada- são semelhantes aos quatro naipes do tarô: as taças, os bastões, as moedas e as espadas. A autora inglesa Jessie L. Weston aceitou essa interpretação e incorporou-a em um de seus livros.
Jessie também acreditava que as lendas do Santo Graal ocultavam rituais e símbolos de um culto secreto que transformara o ritual da fertilidade em "uma iniciação dos segredos físicos e espirituais da vida". A lança e a taça representariam o sexo masculino e o feminino. Como as lendas sobre o Santo Graal estão associadas a tradições celtas, há quem sinta que os arcanos do tarô possam derivar-se das 22 letras do alfabeto celta.
Em 1903, Waite assumiu a direção do templo da Ordem, em Londres, reformando os rituais e dando-lhes um espírito mais cristão, pois era contrário à prática da magia. Em 1914, por falta de apoio, foi obrigado a fechar a sua versão da Golden Dawn.
Foi Waite que, em 1910, publicou The Pictorial Key to the Tarot, cujas ilustrações são de um baralho que ele mesmo redesenhou.
Aleister Crowley (1875-1947), que se juntou à Golden Dawn em 1898, acreditava ser a reencarnação de Eliphas levi. Quando, em 1914, escreveu um guia do tarô,com o subtítulo Um Curto Ensaio sobre o Tarô dos Egípcios, deixou-se influenciar pela escola de Levi. Publicou um baralho com novos desenhos, executados por Frieda Harris, repletos de simbolismos eróticos, denunicando a influência da magia sexual.
Na ocasião do falecimento de Crowley, o ocultista americano Paul Foster Case (1884-1954) publicou a obra The Tarot: a Key of Wisdom of the Ages. Dizendo ser o chefe da Golden dawn nos Estados Unidos e no Canadá, produziu mais um baralho redesenhado por Jessie Burns Parke. os modelos, embora com alguns detalhes diferentes, são parecidos com os de Waite.
Existem outros baralhos redesenhados pelo astrólogo Elbert Benjamine e por Manly Palmer Hall, o fundador da Sociedade de Pesquisas Filosóficas de Los Angeles. Ouspensky, o discípulo de Gurdjieff, fez um breve relato do tarô em seu livro A New Model of the Universe.
Infelizmente, o grande poeta Yeats (1865-1939) nada escreveu sobre o tarô. Quando a Golden Dawn rompeu-se em duas partes, ele assumiu a chefia do setor dissidente, atribuindo-se o título de Imperador. Durante esse tempo, fez experiências telepáticas, induzindo imagens nos pensamentos de outras pessoas. Acreditava que meditando sobre certos símbolos, poderia fazer contato com a Alma do Mundo (Anima Mundi), um reservatório de memórias, independente do dos encarnados.
O filósofo William James também era da opinião que certos indivíduos poderiam , em estado de transe, extrair informações desse reservatório. E C.G.Jung explicou o fenômeno com sua teoria sobre o inconsciente coletivo- e repositório dos arquétipos encontrados nas religiões, na mitologia, na filosofia, na ciência, no simbolismo, nos sonhos, nas visões e nas fantasias. Essa teoria de Jung teve marcante influências nas interpretações modernas do tarô.
Além dessas interpretações filosóficas , ocultas e herméticas, existe o lado curioso do tarô: o da propaganda política e social.
Durante certa época, era voz corrente que os naipes do tarô representavam as diferentes classes da sociedade- a aristocrática, o clero, os negociantes, e os trabalhadores- e que as cartas ensinavam a plebe como trabalhar eficazmente. O ensino tornou-se, então, uma função importante do baralho.
No século XVI, Murner desenhou um baralho destinado a transmitir ensinamentos sobre lógica e, no XVII, idealizaram-se baralhos para ensinar a ler e a difundir a história, a geografia, a gramática, a culinária, etc.
Na França, o famoso Cardeal Mazarin (1602-1661), que modelou os destinos daquele país, sugeriu que o jovem Luis XIV aprendesse história usando os arcanos.
Na Alemanha do século XVIII, fabricavam-se baralhos com desenhos mostrando animais , monstros legendários, cenas de óperas,etc."
Texto de Elsie Dubugras, retirado de uma revista Planeta especial sobre o tarô não sei de que ano (perdi a capa)

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